Resenhas Educativas/Education Review

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Lombardi, J. C., Saviani, D. & Sanfelice, J. L. (Eds.) (2002). Capitalismo, Trabalho e Educação. Campinas, SP: Autores Associados.

163 páginas
ISBN 85-7496-053-5

Resenha por John P. Myers
Instituto de Estudos em Educação de Ontário
Da Universidade de Toronto

1 de maio de 2004

Se deseja, pode ler esta resenha em inglês.

Pesquisadores no campo de educação, particularmente aqueles que preferem uma perspectiva crítica, têm dado muita atenção aos efeitos do neoliberalismo nos sistemas nacionais de educação no contexto da globalização. As análises das políticas neoliberais vis-à-vis educação, freqüentemente têm estado focalizadas no impacto de privatização, descentralização e opção escolar, os quais são políticas-chave nas tendências internacionais de reformas educacionais (e.g. Gorostiaga Derqui, 2001). Críticos do neoliberalismo acusam que isto emprega uma economia racional para guiar as reformas educacionais ignorando as diferenças culturais nacionais e subnacionais, e que tem aumentado as desigualdades sociais e educacionais (Apple, 2001; Puiggrós, 1999). Outros trabalhos investigam programas excepcionais que procuram contrariar os discursos neoliberais educacionais (e.g. Gandin & Apple, 2002). Uma fraqueza, porém, é que uma grande parte deste trabalho fica no nível de análises e críticas, ignorando alternativas pedagógicas e políticas ao neoliberalismo, ou idealizam programas alternativos.

Autores latino-americanos têm dado atenção aos efeitos do neoliberalismo porque acreditam que é uma forma de imperialismo norte-americano. Esse é o caso do Brasil, onde educadores e outros sábios têm desenvolvido uma crítica bem articulada das políticas chamadas Consenso Washington. Um ponto relevante para educadores norte-americanos, que em geral não são familiarizados com as publicações da América Latina (e também de outras regiões em desenvolvimento), trata-se da análise dos efeitos das políticas neoliberais sob os sistemas de educação na América Latina e que irá fornecer um profundo entendimento sobre esse assunto.

Esse livro, tem o potencial de revelar uma perspectiva regional trazendo as idéias de alguns dos melhores estudiosos em educação no Brasil para analisar a relação entre capitalismo, trabalho e educação. A maioria dos capítulos foi apresentada em 2001 num congresso organizado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Sociedade e Educação no Brasil (HISTEDBR). Esse grupo foi organizado em 1986 na Universidade Estadual de Campinas por alguns doutorandos sob a orientação do Professor Dermeval Saviani, um dos editores deste livro. O objetivo deste grupo é trabalhar coletivamente os temas da historiografia e história da educação brasileira. É notável, por dois motivos, que esse grupo tenha organizado um congresso sobre o tema capitalismo, trabalho e educação: em primeiro lugar porque é composto por historiadores da educação brasileira e a maioria dos trabalhos desta coleção seja teórico e polêmico; em segundo lugar, o tópico dos mercados e educação é aproximado da perspectiva de trabalho o qual chama a atenção ao efeito do sistema econômico nos trabalhadores e a relação de educação ao trabalho.

As primeiras três seções deste livro correspondem a uma organização das apresentações do V Seminário do HISTEDBR. A Parte I contém o discurso de de abertura feito por Saviani e as partes II e III apresentam os trabalhos dos palestrantes das duas mesas redondas do Seminário. A única exceção é o ensaio de Frigotto na parte II, cujo trabalho foi incluído na publicação, apesar de ele não ter participado do Seminário. Na parte IV, Saviani e Lombardi revisaram a história e contribuições do HISTEDBR durante os últimos quinze anos.

No primeiro capítulo, Saviani discute as origens do grupo HISTEDBR e o seu envolvimento nesta criação da organização, que foi baseada num interesse comum em examinar a história da educação na perspectiva marxista e dialética. Ele também explica o porquê de um grupo de pesquisadores da história da educação escolherem como tema para o seminário as relações entre capitalismo, trabalho e educação. Em sua justificativa, refere-se a Althusser para demonstrar que o capital deve ser entendido para ter uma interpretação radical da história contemporânea, incluindo a história da educação. Isto é particularmente relevante, cita, por causa da evidência de que os mercados globais não estão cumprindo suas promessas de distribuir riqueza e estimular desenvolvimento para todas as classes e grupos sociais. A principal tendência que ele encontra é o ciclo deliberado dos períodos do crescimento econômico e recessão para interromper as capacidades dos trabalhadores por pressão da mudança econômica.

Na parte II, intitulado “Capitalismo, Trabalho e Educação”, Lanni pondera o papel do indivíduo como cidadão resultante das transformações atuais do mundo. Sugere que a mudança trazida pela globalização tem criado um novo cidadão que não é só nacional, mas também global, e que a mídia é uma instituição importante para desafiar poderes dominantes como as corporações. Lanni conclui que o neoliberalismo não tem o completo controle desta nova situação, e que o emergente “cidadão global” tem o potencial de reformar a sociedade. Antunes, no segundo capítulo, foca as disparidades econômicas e a exclusão difundida, criada pela forma atual do capitalismo global, representada por conceitos como a “qualidade total”. Ele afirma que este estado é evidente no “consumo destrutivo e supérfluo” das classes ricas, as quais têm conduzido às lutas retomadas pelos trabalhadores e grupos marginalizados por este sistema, num esforço de demonstrar a desigualdade e a injustiça da sociedade contemporânea.

Gentili discute no terceiro capítulo, que as promessas da teoria do capital humano, como sendo a educação superior mais importante para o sucesso no mercado de trabalho e que promoveria um maior desenvolvimento nacional, não tem sido cumpridas no Brasil, nem nos outros países latino-americanos. Em vez disso, as pessoas destas regiões têm se tornado “mais pobres e mais educadas.” Ele discute que a educação, no sistema econômico atual, é concebida como uma escolha individual em vez de um direito, e que a promessa de muitos empregos tem sido substituída por uma escolha própria e a promessa de “empregabilidade.” Gentili enfatiza que a desigualdade dos sistemas escolares na América Latina é o principal fator: “‘Educados’ num sistema escolar pulverizado e segmentado, coabitados por circuitos educacionais de oportunidades e qualidades diversas; oportunidades e qualidades que mudam conforme a condição social dos assuntos e os recursos econômicos que eles têm para acessar a privilegiada esfera dos direitos da cidadania” (p.59). No capítulo final desta seção, Frigotto discute a relação entre o assunto e as estruturas, enfatizando o potencial da organização humana. O papel da educação na ideologia capitalista atual, expressado pelo conceito de empregabilidade, é produzir um “cidadão mínimo” carente de capacidades cívicas. Ele discute que o capitalismo é destrutivo e precisa ser substituído por um sistema mais humano.

A parte III apresenta três capítulos sobre o tema “Capitalismo, Trabalho e Educação no Brasil.” No primeiro capítulo, Kuenzer examina o efeito do estado neoliberal e a globalização da economia na relação entre trabalho e educação, para guiar a construção de uma pedagogia para a emancipação humana. Ele discute que a “pedagogia toyotista” tem sido introduzida nas escolas e que é baseada em adquirir competências cognitivas que valorizam o capital e a produção de trabalhadores flexíveis. No capítulo seguinte, Ferretti discute como atuadores diferentes sujeitos sociais particularmente sindicatos, educadores e empregadores, têm entendido os desafios feitos pela educação no Brasil nos últimos anos. Ele critica as políticas educacionais nos anos 90 implementadas pelo governo Brasileiro e organizações internacionais, tais como o Banco Mundial. Ele conclui que, referente ao neoliberalismo, “o perigo consiste na possibilidade de que o conteúdo da educação geral seja convenientemente ‘adequado’ às necessidades futuras da formação técnico-profissional...” (p. 117). No terceiro capítulo, Ciavatta examina o mundo do trabalho usando fotografias como lentes para reconstruir as vidas dos trabalhadores das fábricas. Para fazer uma crítica ao efeito que o capitalismo avançado teve no trabalho e na educação, Ciavatta introduz o conceito da “escola do trabalho”, uma medida histórica do mundo do trabalho que “deve ser entendida como um processo social complexo, um ato humano, um movimento de idéias e ações que acompanham a introdução do trabalho na escola como um princípio educativo” (p. 126).

Este livro reúne brasileiros talentosos trabalhando em um grupo de temas comuns das perspectivas e críticas Marxistas. A intenção deles é levantar questões provocativas e debater sobre esses temas, e conseguem fazê-lo muito bem. Porém, este livro não irá satisfazer totalmente aos leitores que buscam estudos compreensivos sobre neoliberalismo, capitalismo do mercado livre e educação. E também, com a exceção de Ferretti (Gentili e Kuenzer em menor grau), não mostra a forma que as políticas neoliberais estão tomando na sociedade brasileira e os seus efeitos no sistema educacional. Assim, os capítulos são, às vezes, reduzidos à teoria. Este volume não apresenta uma perspectiva coesa brasileira ou latino-americana sobre neoliberalismo e educação, bem como os seus desafios neste setor, contudo conta com muito mais análises generalizadas e descontextualizadas.

Talvez essa linha de questionamento seja excessivamente ambiciosa para uma coleção editada dos ensaios de um congresso, ao contrário de extensos estudos. De fato, uma perspectiva regional não foi a suposta intenção dos organizadores do congresso. O problema com este abstrato e o enfoque descontextualizado é que, como muitos dos trabalhos que estão sendo publicados hoje sobre neoliberalismo na América do Norte, os autores não estendem a análise compreensiva deles para incluir soluções políticas e educacionais. Portanto, este volume será muito útil para os educadores que estão buscando uma crítica provocante e perspicaz num nível maior da relação entre capitalismo global e educação, e de menor interesse para professores e educadores interessados nos caminhos para desafiar e influenciar esta relação.

Referências

Apple, M. (2001). Comparing neo-liberal projects and inequality in education. Comparative Education, 37(4), 409–423.

Gandin, L. A. & Apple, M. (2002). Challenging neo-liberalism, building democracy: Creating the Citizen School in Porto Alegre, Brazil. Journal of Education Policy, 17(2), 259-79.

Gorostiaga Derqui, J. (2001). Educational decentralization policies in Argentina and Brazil: exploring the new trends. Journal of Education Policy, 16(6), 561–583.

Puiggrós, A. (1999). Neoliberalism and education in the Americas. Boulder, CO: Westview Press.

Sobre os autores do livro

Dermeval Saviani é professor emérito da UNICAMP e coordenador geral do HISTEDBR. É atualmente um pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnologia. José Claudinei Lombardi e José Luís Sanfelice são professores do Departamento de Filosofia e História da Educação da UNICAMP.

Sobre o autor da resenha

John Myers é doutorando do Instituto de Estudos em Educação de Ontário da Universidade de Toronto (OISE/UT). Departamento de Pedagogia e Aprendizagem, com especialização em Desenvolvimento em Educação Comparativa e Internacional. Os interesses de sua pesquisa incluem pedagogia comparativa da cidadania, educação de estudos sociais e pensamento dos professores.

Email: jomyers@oise.utoronto.ca

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